(Segunda parte do texto de Dra Nylse Helena Silva Cunha
Do livro: Transtornos Invasivos do Desenvolvimento
SEÇÃO III–TEMAS PEDAGÓGICOS
CAPITULO IXX
DISTÚRBIOS DE COMPORTAMENTO
Técnicas antisépticas para intervenções planejadas
1. INDIFERENÇA PLANEJADA
Avaliar o comportamento de superfície e limitar a interferência aos casos em que ela seja realmente necessária para impedir que o processo evolua ou contamine o grupo. Boa parte do comportamento da criança traz em si mesmo uma carga de intensidade limitada que desaparece tão logo a carga se esgota.
Algumas vezes o comportamento indesejado surge apenas como um meio de chamar a atenção e se esvazia ou é redirecionado quando não alcança o objetivo desejado.
2. INTERFERÊNCIA SINALIZADORA
•Às vezes a criança age de forma inadequada apenas porque o seu ego ou super-ego não estão vigilantes; bastará uma sinalização para que assuma o autocontrole, ou então pode ter-se deixado seduzir pela vontade de desafiar alguém mas, uma sinalização enérgica faz com que desista.
Mas existem situações nas quais a sinalização é contra indicada, como por exemplo quando a relação do adulto com a criança não está boa (é preciso ter
crédito para poder ser respeitado) ou quando o comportamento tem um padrão muito complexo, por servir a objetivos patológicos.
3. PROXIMIDADE E CONTROLE PELO TOQUE
Muitas vezes a proximidade de uma pessoa calma e segura dá tranquilidade a criança; não a presença ameaçadora mas a presença que garante que tudo vai correr bem. O toque amigo significa que estou com você, diminuindo até extinguir a restrição. A adequação do espaço ao problema de comportamento que a criança apresenta é fundamental para não propiciar situações de risco assim como a presença de objetos que possam estimular comportamentos inadequados. Também o vestuário pode precisar ser adaptado quando se trata de crianças sem condições de avaliar a conseqüência de seus atos. Um menino que tira os sapatos constantemente, de forma compulsiva, pode ter de usar um quédis bem amarrado, até perder este hábito. A colocação de chaves nas portas por onde os alunos não devem passar pode ser um recurso utilizado
temporariamente até que o hábito se modifique mas, quando em se tratando de indivíduos com possibilidade de auto controle, seria um menosprezo ao autocontrole a utilização de um recurso como este, razão pela qual, é indispensável o discernimento do educador para saber qual o recurso a ser utilizado.
Este procedimento encontra resistência por parte de alguns educadores mais rígidos mas, é eficaz no início do processo educacional por que diminui as áreas de conflito, assegurando melhores condições até que o processo terapêutico esteja mais avançado. Deve ser utilizado apenas provisoriamente.
13. REMOÇÃO ANTI-SÉPTICA
A retirada da criança do grupo é uma medida de emergência, utilizada quando seu comportamento descontrolado atingiu uma intensidade tal que outras formas de contenção não foram eficientes. A retirada pode acontecer em função do direito do resto do grupo a continuar trabalhando ou em benefício da criança mesma que não está com condições de permanecer no ambiente. Mas tanto num caso como no outro, ela não pode acontecer de forma punitiva. A criança é convidada a se retirar por que está sem condições pessoais de permanecer no grupo mas assim que melhorar poderá voltar. A retirada deve feita como medida de apoio para ajuda-la a readquirir o autocontrole e não como uma expulsão por mau comportamento. O professor do grupo permanece na sala pois se acompanhasse a criança perturbada estaria de certa forma premiando o comportamento inadequado dando-lhe atenção especial. Uma outra pessoa a recebe e maneja o seu comportamento com o sentido de acalma-la. As atividades do grupo continuam sendo realizadas e na maior parte dos casos, a criança que saiu pede para voltar ao grupo porque quer participar das atividades.
14 - CONTENÇÃO FÍSICA
Realizada não como castigo mas como uma manipulação anti-séptica. Não levando a sério a agressividade ressaltamos a irracionalidade do comportamento.
15 - PERMISSÃO E PROIBIÇÃO AUTORITÁRIA
Para influenciar o comportamento de superfície num determinado momento . Damos a permissão para retirar do comportamento a carga de ansiedade e culpa.quando a criança está agindo por oposição, tudo perde a graça quando há a permissão. Com isto eliminamos também aquele ar de rebelião triunfal e mantemos o comportamento em nível controlável. A proibição autoritária é teoricamente indesejável mas funciona em certas situações, quando o controle
parece ter sido perdido. Um CHEGA sem hostilidade mas com firmeza, pode interromper um processo de excitação e facilitar o redirecionamento.
16 - PROMESSAS E RECOMPENSAS
Para que promessas e recompensas sejam eficazes no controle dos comportamentos é necessário que a criança seja capaz de estabelecer relação entre uma recompensa futura e os seus atos, o que seria muito difícil para estas crianças. Provavelmente receberiam a recompensa como uma espécie de golpe de sorte e não como uma conseqüência de seus atos. Considerando-se a curta duração de suas intenções e a incapacidade de manter resoluções, a promessa de recompensa não alcançaria resultados profícuos.
Outro fator que tem que ser levado em conta, em se tratando da convivência em grupo, é a rivalidade, ou seja, a incapacidade de aceitar uma distribuição desigual, de acordo com o merecimento de cada um. A atribuição de recompensa diferente, ou até mesmo só em momento diferente, a quem fez jus, não será recebida como ato de justiça mas sim como uma preferência pelo outro, o que irá aumentar o sentimento de rejeição. O melhor será sempre que a recompensa seja a própria realização da tarefa, a aquisição de um novo conhecimento ou a conquista de mais um passo no caminho do autocontrole.
Agindo por motivação intrínseca, o prazer situa-se na própria atividade e não se está estimulando o enfoque mais utilitarista da motivação extrínseca. A abordagem construtivista certamente é mais transformadora.
17 - CASTIGOS E AMEAÇAS
Dentro da Escola Especial a hipótese de castigo não existe, existe sim a conscientização sobre as conseqüências da ação incorreta. Alem do mais, os
castigos são recebidos pela criança com o sentido de uma vingança pessoal do adulto, como um ato agressivo de exercício de poder. A análise das diferentes formas de intervenção planejada no controle dos distúrbios de comportamentos abordados, contribui para enriquecer as possibilidades de atuação correta sobre os comportamentos de superfície dentro da visão terapêutica psicanalítica, e da abordagem se não construtivista, pelo menos, não behaviorista.
Quando além do distúrbio de comportamento a criança apresentar deficiência mental acentuada, outros aspectos precisam ser considerados:
• a compreensão do comportamento como forma de expressão de alguém que não sabe se comunicar,
• a escolha de palavras significativas para advertências ou orientações. Não adianta falar muito, é melhor falar pouco e sempre utilizando as mesmas palavras,
• utilizar linguagem não verbal também,
• intervenção em cima da hora em que o fato ocorre, não adianta falar depois ou fazer ameaças futuras.
Convém ressaltar que nenhuma técnica é infalível, dependerão sempre do senso de propriedade com que forem aplicadas. O conhecimento das técnicas de intervenção é importante apenas para que o educador disponha de maior número de recursos na sua prática educacional. mas, são a sensibilidade e a perspicácia da pessoa que as aplica que orientarão a seleção das estratégias mais indicadas para uma determinada situação.
A manutenção de uma rotina dinâmica e bem estruturada constitui a base sobre a qual o trabalho educacional se desenvolve. Dentro desta rotina, o estabelecimento dos Hábitos de Vida Diária são fundamentais.
Grande número de crianças autistas chega à Escola ainda sem controle esfincteriano e com hábitos alimentares bastante diferenciados, razão pela qual, o treino das atividades de vida diária é parte tão importante no seu processo educacional. O estabelecimento de hábitos higiênicos, alimentares e posturais corretos é fundamental para que a criança consiga um nível de desempenho que possibilite sua integração na família e na sociedade. É necessária a manutenção de uma rotina diária bem estruturada para que estes hábitos possam ser assimilados e estabelecidos. Um bom instrumento para registro avaliativo, pode ajudar a família e a Escola a programarem este trabalho em conjunto.
A rotina é fundamental para a estruturação de um bom programa de atividades para crianças autistas. Precisa ficar claro para ela o que se espera que faça em
cada ambiente. As crianças se desenvolvem através de sua interação com o ambiente que as cerca; como a criança autista se isola, perde muitas oportunidades de estimulação alem do que, tende a fixar-se em algumas aprendizagens que conseguiu. Por outro lado, pode não transferir o que aprendeu deixando manifestar certos desempenhos se houver alguma mudança no ambiente.
Embora o trabalho com estas crianças precise ser estruturado, é importante que ela tenha períodos livres para fazer o que lhe dá prazer.
AS ATIVIDADES LÚDICAS
Andar, pular, balançar-se, nadar ou brincar na água,podem ser atividades que dão prazer. Mas, em se tratando de brinquedos, os resultados podem ser bem
diferentes do esperado. As crianças autistas não apresentam a brincadeira
simbólica, não imitam e não tem fantasias. Por não tomarem conhecimento dos outros, não sentem sua falta e não tem capacidade de lhes atribuir sentimentos, estados mentais ou intenções. Vem daí a falta de desejo
ou fantasia. Tem dificuldade em imitar também por alteração na aquisição da noção de esquema corporal e por não introjetarem a própria imagem. As estereotipias de seu comportamento o mantém isolado.
Na BRINQUEDOTECA não reagem como as outras crianças pois não demonstram interesse pelo ambiente nem pela variedade de brinquedos. Continuam suas estereotipias, manuseando brinquedos apenas como qualquer objeto que usem em suas atividades repetitivas não funcionais. Tem atração por objetos que giram e fazem girar tudo o que podem, de rodas a pratinhos, com grande habilidade. Não percebem o que eles representam e os utilizam como objetos sensoriais autísticos não diferenciados do seu próprio corpo.
Na verdade, pode-se dizer que eles não distinguem entre pessoas vivas e objetos inanimados, entretanto parecem gostar mais de bonecas grandes do que de pessoas, porque as bonecas são sempre as mesmas, não mudam como as pessoas.
Em razão de sua dificuldade para abstrair e pensar simbolicamente, não são capazes de imaginar o que os outros sentem. Não chegam ao outro o suficiente para desejá-lo, sentir sua falta ou imaginá-lo, muito menos representá-lo.
Para o autista, o brinquedo não é um convite ao brincar, mas alguma coisa que pode servir ou não para ser manipulada de forma estereotipada.
O uso protetor, indiossincrático de objetos sensoriais autísticos impede a utilização dos objetos segundo um modo de brincar normal. Sem brincar e sem vida normal de sensações, o desenvolvimento mental não é estimulado (Araújo, Ceres ).
É preciso ensinar-lhe o uso funcional dos brinquedos, mas teremos que selecionar brinquedos que proporcionem resposta rápida, aqueles em que basta tocar para que alguma coisa aconteça pois, como não mantém a atenção concentrada, terão que encontrar resposta rápida para não desistirem.
Embora sejam hiperativos, podem permanecer bastante tempo em um atividade que aprendem, por exemplo, encaixar as peças de Lego. Dificilmente irão criar coisas interessantes mas poderão ficar bastante tempo entretidos em repetir o ato de encaixar as pecinhas.
É preciso lembrar que o conceito de lúdico está associado ao prazer que é um sentimento subjetivo, que não pode ser padronizado. Determinadas formas de lazer podem ser muito desagradáveis para a criança autista, como por exemplo passeios a lugares novos muito movimentados.
Quando tentamos dar prazer a uma criança autista, precisamos antes entrar em empatia com ela para captar o que seria adequado a sua forma de expressar-se. Fazer o que ela está fazendo pode ser um bom começo, uma
forma de estabelecer comunicação . Procurando imitá-la, partiremos da sua sintonia para criar outras possibilidades.
Brincar é uma forma de expressar-se, é uma atividade que deve começar do interior da criança. Os brinquedos são um convite ao brincar para aqueles que
percebem sua mensagem ou pelo menos, sua existência. Mas se a criança não percebe o que está ao seu redor, pouco ou nenhum significado tem para ela.
Nestes casos é preciso tocá-la de forma a fazê-la perceber o estímulo que o brinquedo poderá oferecer.
Como qualquer outro ser humano, a criança portadora de distúrbios invasivos de desenvolvimento, precisa ter uma qualidade de vida que, partindo do seu bem-estar físico, alcance também alguma felicidade, algum prazer de viver. Mas, para isso, as pessoas que com ela interagem, precisam descobrir o que lhe dá prazer para, partindo desta descoberta, caminhar junto para que ela possa adquirir outros níveis de satisfação e enriquecer assim sua qualidade de vida.
(As técnicas acima citadas por Nylse Helena Silva em seu artigo DISTÚRBIOS DE COMPORTAMENTO foram sugeridas por Redl e Wineman).